Uma casa para Dafne
ALBERTO CAMPO BAEZA
Uma casa à volta de uma árvore do artista português Carlos Nogueira.
Parque de Santo Tirso, Portugal.
Carlos Nogueira, um dos mais reconhecidos artistas contemporâneos de Portugal, voltou a fazer das suas. Uma vez mais, brincou aos arquitectos.
Bernini, para traduzir o mito de Apolo e Dafne, pôs em pé uma maravilhosa escultura onde a Dafne, que Apolo tenta agarrar, já tinham começado a crescer os ramos nas mãos e nos braços, já tinha começado a converter-se em árvore.
Nogueira atreveu-se a mais, porque aqui Dafne já é toda ela árvore e Apolo é todo ele casa, todo ele branca caixa em cujo recinto Dafne ficou presa para sempre. Belíssimo.
Se Bernini era um arquitecto magistral que, além disso, era genial como escultor, Nogueira é um escultor maravilhoso, que também é magnífico como arquitecto.
Conhecem bem o mito de Apolo e Dafne. Descreve-no-lo de maneira sublime Garcilaso de la Veja no seu soneto número XIII:
A Dafne já os braços lhe cresciam,
e em ramos retorcidos se mostrava;
em verdes folhas vi que se tornavam
os cabelos que o ouro escureciam.
Já de áspera casca se cobriam
os suaves membros, que mexendo estavam:
os brancos pés na terra se fincavam,
e em torcidas raízes se volviam.
Aquele que foi causa de tal dano,
À força de chorar, crescer fazia
a árvore que com lágrimas regava.
Ó mísero estado! Ó mal tamanho!
Que com chorá-la cresça cada dia
A causa e a razão por que chorava!
Quando forem ver essa caixa branca maravilhosa de Carlos Nogueira no Parque de Esculturas de Santo Tirso, metam a cabeça lá dentro e verão que, no interior da branca caixa, continuam a brotar as lágrimas de Apolo que continuam a fazer crescer essa belíssima árvore em que Dafne se converteu.
tradução CIDÁLIA ALVES DOS SANTOS