Carlos Nogueira
por MIGUEL WANDSCHNEIDER
Percorrendo géneros muito diversos e abordando problemas como o espaço, a matéria e a luz, a obra de Carlos Nogueira traduz a procura do lugar em que o sensível e o inteligível, o silêncio e a cumplicidade, o efémero e o permanente se encontram.
Com uma obra em constante renovação, mas sem descontinuidades, revelada em meados da década de 70, Carlos Nogueira (Moçambique, 1947) tem expandido o seu universo criativo através de diversos géneros artísticos, como o desenho, a performance, a instalação, a pintura, ou a escultura. Em cada momento da sua actividade, ele não se confina, no entanto, a um único género, antes se situa na intersecção de vários, apagando as respectivas fronteiras, explorando contaminações recíprocas, construindo e alargando o seu próprio território artístico.
Com meios muito diversos, produzindo peças e situações efémeras ou objectos duráveis, os problemas com que se defronta são, afinal, sempre os mesmos, relacionados no essencial com a luz, a cor, a linha, os materiais, a superfície, ou o tempo. São, em última instância, problemas de natureza pictórica, que constituem a pintura como lugar fundador da sua arte.
Nas suas intervenções, existe sempre o propósito de instituir a arte como lugar sagrado. Não por exclusão ou desqualificação, mas ao invés por transfiguração e sublimação do que pertence à esfera do comum e do quotidiano – matérias, vivências, memórias. Os percursos físicos pelo espaço, sublinhados ou sugeridos, indiciam o desejo de tornar o espaço reinventado, um espaço vivido. A luz, elemento expressivo, vivificador dos materiais e encenador do espaço, funciona também como metáfora da sublimação e da revelação a que o artista permanentemente aspira. Como um alquimista, o artista procura conferir aos materiais um esplendor desconhecido.
Se a natureza – o mar, o céu, as montanhas, o rio – surge como referência obsessiva, isso liga-se, antes de mais, à importância que Carlos Nogueira dá ao sensível, às aparências, ao efémero. Mas a natureza surge na sua obra, por outro lado, como arquétipo de um tempo e um lugar originários, imagem de um regresso às origens, nostalgia de uma pureza e uma harmonia primordiais. Assim, os seus trabalhos apresentam-se, ao mesmo tempo, como elogio do efémero e da mudança e como exaltação de uma ordem essencial e do que permanece. Neles aflora sempre como questão fundamental a ligação entre o visível e o invisível, entre as aparências e o que está para além delas, entre a efemeridade do que passa e a eternidade do que fica. Por aqui passa o ideal de uma harmonia com o cosmos a reconquistar.
In Arte Portuguesa do Século XX, Lisboa, IAC / Neurónio, 1998.