Travei o Ford Fiesta
por JOÃO LUÍS CARRILHO DA GRAÇA
Era de noite. Vinha a subir do Vale de Alcântara para a Praça de Espanha, pelo lado direito. Estacionei. Tirei a chave da ignição. Abri a porta e saí. Penteei-me, fechei a porta do carro e fechei o «cache-col». Na encosta estava uma construção. Um exército de mastros brilhantes.
Esta área vê-se sempre de passagem. É como se não fizesse parte da cidade, está um pouco abandonada e sulcada por estradas e pontes. O conjunto dos mastros é fascinante.
Tropecei. O terreno foi lavrado. Olhei para o relógio. Este terreno não está preparado para ser visitado. No entanto foi aplanado. Quem aplana um terreno quer lá construir. Os prumos são incrivelmente esbeltos e a luz é estupidamente intensa. Reflecte-se entre eles.
Não está a chover, felizmente não está a chover. A terra no entanto está húmida. A oliveira está toda molhada.Isto é um templo iluminado. Para que serve esta casa?
(Ao longe, de passagem, já tinha visto. Foi uma surpresa, no entanto, não precisei de mais de uma fracção de segundo para ver tudo. A oliveira, a plataforma e esta construção abstracta de luz, até ao Aqueduto.)
Inúmeras espécies de insectos foram atraídas pela luz. As asas dos insectos de olhos poliédricos, vibram.Vibram os mastros brancos, revestidos de esferas de vidro. Pode ser uma construção verdadeiramente moderna.
Não está aqui ninguém para além de mim. Sento-me. Não disse nada.
Outubro 1994
In Carlos Nogueira, permanência da água, Lisboa, Dezembro 1994, p. 34.