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Onde quer que o limite se encontre

por CAOIMHÍN MAC GIOLLA LÉITH

«Preciso sempre de uma relação com as coisas essenciais.»(1)

A circunstância que suscitou este comentário revelador de Carlos Nogueira foi a discussão do que, nessa altura, eram os planos que estava ainda a desenvolver para uma intervenção escultórica em dois sítios distintos, no interior do edifício da Fundação Calouste Gulbenkian e no respectivo jardim. Uma dessas intervenções, de grandes dimensões, a ocupar toda uma sala no interior, foi sempre pensada como temporária, enquanto a outra, uma escultura de localização específica, a colocar no jardim, assumiria um carácter permanente. Assim sendo, vale a pena salientar que o tal comentário surgiu durante uma discussão acerca do elemento temporário desta exposição, e não do permanente. O artista encarou, desde início, a escultura temporária como um ambiente inteiramente fechado, o que tenderia a provocar tanto desorientação como encantamento, um ambiente em que o visitante ficaria temporariamente privado do conforto das coordenadas habituais. Dado este facto, a insistência de Carlos Nogueira na importância de manter uma ligação, ainda que velada, com qualquer coisa de menos mutável e contingente é particularmente elucidativa. O modo como exprime esse apego ao essencial pode variar em diferentes momentos. Pode assumir a forma de fidelidade a certos materiais – mármore, ferro, vidro – ou a um sistema numerológico particular (por exemplo, o número três tem sido sempre fundacional para ele). Contudo, isso não resulta numa inflexibilidade do seu método de trabalho, nem na produção invariável do mesmo efeito estético, muito pelo contrário. Para além do mais, porque se trata sobretudo de obras «abertas».
Quando se penetra numa sala comprida, estreita e alta, que está iluminada por uma única luz artificial, sendo dividida longitudinalmente ao centro por uma vala delgada coberta de cinzas e tendo suspenso, de cada um dos lados, um espelho de duas faces, embora com uma certa distância entre ambos, é-se obrigado a fazer um nítido esforço de adaptação. Precisamos de abdicar conscientemente, se bem que a título provisório, das nossas noções habituais de orientação para podermos ver de maneira diferente, para podermos ver extra-ordinariamente. Implica abandonar a nossa forma habitual, espontânea, de nos ajustarmos aos espaços interiores, a fim de avançarmos de forma diferente e nova, em ritmo mais lento e deliberado. Os processos de desorientação geralmente utilizados por Carlos Nogueira são contidos e sedutores. Distanciam-se muito das tácticas teatrais de choque e das distorções grotescas das salas de espelhos deformantes, por exemplo (que, aliás, evidentemente, também se introduziram nas formas mais agressivas da arte contemporânea). A sua perícia consumada de escultor reside na selecção e manipulação de materiais de tal modo que convence quem vê de que esses materiais são susceptíveis de funcionar de forma contrária à sua natureza e propriedades intrínsecas. Assim, por exemplo, uma massa compacta de camadas sobrepostas de mármore branco, meticulosa e discretamente intercaladas com curtas barras de aço inoxidável, pode parecer flutuar ou pairar um pouco acima do solo, negando o seu peso considerável. Este efeito tem sido evidente num certo número de esculturas anteriores, nomeadamente no elemento principal de uma obra importante, beyond the very edge of the earth [até ao fim das terras todas] (1997-1998), inicialmente instalada na The Economist Plaza, Londres, em 1998(2). Este processo também foi usado, com efeito considerável, no projecto de construção da obra para o exterior da Fundação Calouste Gulbenkian.
A tendência de Carlos Nogueira para trabalhar de uma forma contida com a noção de ilusão passou a ser ainda coadjuvada, nos últimos anos, pela utilização de espelhos transparentes de duas faces. Contudo, na sua escultura a ilusão nunca chega a ser enganadora. Porque isso se afigura contrário ao objectivo do artista, que será o de nos estimular a ver com maior nitidez ou maior cuidado, mas nunca o de falsear uma visão que se pretende intensificar e não deturpar. A este propósito vale a pena referir mais um comentário de Carlos Nogueira quando estava a discutir-se quais seriam os diversos materiais a utilizar no revestimento da vala divisória do seu ambiente interior e para cobrir o fundo da escultura exterior em forma de poço. Um dos factores que motivou a sua decisão de utilizar cinzas e carvão, respectivamente, em vez de um revestimento de pigmentos que outro artista (Anish Kapoor, por exemplo) teria porventura preferido em situação análoga, foi a relutância em sugerir a profundidade absolutamente incomensurável por meio da construção de um vazio visualmente impenetrável. Também isto é revelador. Perante a escolha entre materialismo e mistificação, é de crer que Carlos Nogueira optaria sempre pelo primeiro, salvaguardando, contudo, o respeito pelos mistérios da imaginação pessoal, e reconhecendo a imponderável especificidade da experiência individual que cada um tem de determinada obra de arte. Além disso, perante a escolha entre a utilização de pigmentos, por um lado, com a inevitável associação desse material a uma longa história do cultivo das belas-artes, e cinzas ou carvão, por outro, com a inevitável sugestão do elemental e do quotidiano ligada a esses materiais, não é surpreendente que Carlos Nogueira tivesse optado por estes últimos. Porque nem mesmo as suas esculturas tridimensionais mais abstractamente líricas, nem as mais pictóricas das suas obras bidimensionais suspensas da parede, nos deixam em caso algum esquecer a sua materialidade discretamente insistente, a sua consistência física fundamental e essencial.
Até mesmo os ambientes escultóricos mais amplamente abrangentes de Carlos Nogueira compartilham um certo sentimento de contenção, intimidade e generosidade de espírito. Não se baseiam nem numa noção de liberdade absoluta, nem numa noção de sujeição absoluta. Perante eles, é-se, sim, estimulado brandamente a encarar modos alternativos de abordar tanto o mundo visível como o invisível. Apesar dos meses de cuidadoso planeamento e meticulosa execução destas diversas obras de arte, elas deixam-nos livres para as apreciarmos em termos que o autor não controla inteiramente. Ao fazê-lo, porém, temos consciência de que já deu o melhor do seu esforço para garantir que o nosso total empenhamento em fruir em plenitude da visão das suas obras será amplamente recompensado.

(1) Todas as citações se reportam a uma conversa tida com o artista na Fundação Calouste Gulbenkian em Maio de 2002.
(2) Ver Caoimhín Mac Giolla Léith, «Wherever the edge may be: Works by Carlos Nogueira», beyond the very edge of the earth (catálogo da exposição), Londres, 1998.

In Carlos Nogueira, a ver, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 27-37.

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